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A democracia e o palanque nas redes sociais

Tema: A democracia e o palanque nas redes sociais 
Veículo: Diário da Manhã
Número: 10.737
Página: 19
Caderno: Opinião Pública
Data: 07/03/2017

 

A democracia e o palanque nas redes sociais

 

Inglória a tarefa de alcançar informação reconfortante ou minimamente confiável nas redes sociais. Os posicionamentos agressivos, extremistas e antidemocráticos disputam visibilidade com imagens de animais, vídeos nem tão engraçados assim em um barroquismo informacional contemporâneo.  De modo assustador vemos pessoas que se dizem democráticas se desfazerem da maioria e se posicionarem autoritariamente como detentoras da verdade, da opção correta, dos desígnios do mundo. E ainda afirmam que a maioria está acabando com a democracia. Talvez estejamos gerando um paradoxo social: se a maioria se posiciona de um modo desacreditado por uma minoria, seria democrático essa minoria definir um caminho para a sociedade? Ou seria mais sensato levantar discussões, com base em argumentos?

Paradoxos à parte, é preocupante o número de replicações de notícias falsas, posicionamentos questionáveis e uma expressão desregrada, impensada e inconsequente. As redes sociais são de acesso público e, mesmo quando estamos em contextos fechados, como em grupos de amigos, a lógica da ressonância cibernética (buzz na rede) faz com que os posts prosperem e alcancem públicos diversos em tempos diversos. Isto equivale dizer que todas as nossas postagens são públicas e atemporais, passíveis de serem enviadas para toda e qualquer pessoa, hoje, amanhã ou daqui a dez anos. Este ambiente exige, por si, responsabilidade. Eticamente deveríamos pensar se cada postagem que fazemos reflete de fato o que pensamos, e se este pensamento é passível de exposição pública, para todo o sempre. Ainda que não saibamos o que virá, responsabilidade e ética são a dose necessária para que não soframos amanhã as consequências  de nossas ações hoje.

A responsabilidade e a democracia correm risco nas redes sociais, nos comentários e replicações de má fé que perambulam pela Internet. A ferocidade de respostas e comentários, maldosos e falseados em sua maior parte, por ignorância e ingenuidade em outra parcela, desviam discussões e, em boa parte das vezes, deixa a discussão argumentativa, quanto ela existe, a passa para agressão verbal, posições individuais e uma crença absurda de que a expressão, garantida em nossa constituição, se sobrepõe à lei, à ordem e ao bom senso.

O sociólogo francês François Dubet construiu uma perspectiva de análise da experiência social baseada em três dimensões lógicas: a estratégica, que remete ao útil; a de integração, que remete ao social; e a subjetiva, que remete à realização subjetiva. Neste escopo, seria lícito analisar o comportamento tido nas redes sociais, como ambiente de interações. Na dimensão da lógica estratégica, os falseamentos e a má fé tem endereçamento certo, a saber provocar instabilidade, dúvida. Esta ação contraria a construção do discernimento social. Neste sentido, o pretendido é a ignorância, na mais acintosa afronta social possível. Na dimensão da lógica da integração, a dissociação é o pretendido. Terrorismo sociocomunicacional. Resta saber qual a lógica advinda da dimensão da realização subjetiva alcançada por estes detratores sociais. Mas todos sabemos, na verdade.

Será preciso lembrar que as redes deveriam ser sociais, e não antissociais, como por vezes somos levados a acreditar. Que a conectividade proporcionada pelas tecnologias da informação e da comunicação pretenderam, em seu nascedouro, elevar o nível das discussões, ampliando repertórios, argumentos e inteligências. Contudo, a contribuição de muitos vai de encontro a esta perspectiva, criando rotas de colisão por todos os lados, em desrespeito ao outro e à sociabilidade, ao bem comum.

No palanque das redes sociais, não podemos permitir que o discurso mais ouvido seja antidemocrático, pautado pela maledicência, intolerância e falseamento. Sejamos críticos e inteligentes, capazes desse enfrentamento que é, antes de tudo, responsável e ético.

As redes sociais, como palanques contemporâneos dos discursos descomprometidos, ainda que engajados, não devem se converter em octógonos, até porque não o são.

Por redes sociais baseadas em fatos e argumentos, pela livre expressão responsável e ética. Que os maledicentes não encontrem ressonância em nossas redes ou em nossa sociedade. O Brasil merece discursos e posições mais inteligentes e sensatas. Parafraseando Quintana, eles (e também nós) passarão, mas o Brasil, passarinho.

 

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