Link Coluna 10-09 - Apocalípticos e Integrados

Apocalípticos e Integrados

Tema: Apocalípticos e Integrados

Veículo: Diário da Manhã

Número: 11.286

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 06/09/2018

O filósofo italiano Umberto Eco discutiu, no livro de 1967 que também atribui nome a este artigo, o fenômeno do mass media – mídia de massa -, e as posições tornadas célebres em relação ao tema. A análise do italiano parece ressurgir quando o assunto é tecnologia digital, mídia pós-massiva e conectividade.

De um lado, o grupo que enxerga nas tecnologias uma perspectiva de melhoria social, com a renovação da cultura e de suas práticas. No extremo oposto, aqueles que veem a tecnologia como instrumento de manipulação e autoritarismo, vinculando-a ao domínio de algumas poucas empresas, detentoras majoritárias das informações existentes no mundo. Esse domínio resultaria em uma situação crítica da sociedade, incapaz de rever seus valores e retomar seu movimento natural e libertário.

Se Eco apontava os erros de ambos os lados, suas contribuições não ficaram em desalento. Tampouco faltou eco para a fala de Umberto, que finalizou sua análise com sugestões de estudos, como a evolução da mídia, seu impacto e influência nas práticas sociais, as articulações entre os níveis culturais decorrentes dessa influência e, por fim, como os valores sociais são afetados, alterados ou criados por força da mídia de massa. Tudo isso grosso modo, como qualquer síntese irrompe sua existência.

O fato é que, a despeito de apocalípticos e integrados, a cultura de massa, com sua indústria cultural, teve seu momento na construção coletiva de uma perspectiva de mundo, de uma sociedade. Perspectivada do momento posterior, e já há algum tempo, o modus operandi social parece repetir, com algumas alterações, o que foi descrito pelo filósofo, agora em relação ao digital pós-massivo.

E será a despeito dos novos apocalípticos e integrados que a trama social viverá seu momento, indelevelmente marcada pela tecnologia. Aliás, já o vive, com suas redes sociais (des)integradoras, com as práticas sociais (des)niveladas, com a perspectiva de fazer melhor orientando uns, e o medo de nos fazermos piores amedrontando outros. E a tecnologia segue, sustentando o modelo social contemporâneo, criado pela Ciência, (des)acalentando a todos. E talvez isso ocorra porque o movimento contínuo da cultura e da sociedade não seja definido por esses dois extremos, mas sua verve esteja justamente entre eles, importando-se menos com suas extremidades que pelo seu corpo volumoso que rege, frenético, a urgência do tempo.

Ainda assim, mantemos a emergência gerida e gerada pelos apocalípticos e pelos integrados. Os últimos, buscando fundamentar um modelo melhor dimensionado de sociedade, com o auxílio dos aparatos tecnológicos e dos conceitos que adjetivam de inteligente o que surge dessa construção social, e os primeiros, supervisionando as práticas estabelecidas a partir desses aparatos, como atentos policiais que asseveram a ordem e sondam, fio a fio, a trama que se forma.

Somos devedores, nessa construção histórica de nosso envolvimento com as mídias, massivas e pós-massivas, dos extremos e do meio, dos Umbertos e dos ecos, que nos fazem ver melhor as tensões teóricas e práticas que nos fazem avançar, retroceder e, principalmente, enxergar nossos movimentos.

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